quinta-feira, 8 de maio de 2008

Sorte

Ela encarou meus olhos ainda verdes no crepúsculo com seus olhos negros. Agachada, lavava seu rosto com a água que atravessava a rua, levando a sujeira da face e da cidade. Deixava sua casa vazia dia e noite. Vagava para ocupar o tempo nas tardes e para fugir dos mosquitos nas madrugadas. Eu a via desaparecer misturando-se entre outras tantas madames nas ruelas do morro. Meus olhos já escuros na noite pasmavam-se com o brilho das velas que se acendiam. O mercado não dormia. Eu andava entre as barracas estreitas com o medo que me apagava entre os demais. As frutas, as flores em botão transpiravam o calor e eram alisadas pelas chamas. E as donas das cestas cuidavam de seus bens como estátuas cantantes, com saias cumpridas, escondendo as necessidades. O cheiro de querosene e fósforo, o cheiro de galinha e suor, o cheiro acordava meu andar entorpecido. Eu me ia, seguindo minha sorte, num mundo distante.
Maria Helena J. M. de Macedo

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